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24 de fev. de 2012

Os livros de concursos públicos


Por Ignácio Loyolla
DA CARTA POTIGUAR
HOMO CONCURSEIRUS
Faria uma boa análise sociológica quem se debruçasse sobre os livros de auto ajuda que educam para passar em concursos públicos.
Carregados de pregação moral e frases de ordem, este tipo de literatura não tem a pretensão, apenas, de ensinar como os concursandos devem estudar.

Há todo um modo de vida que é (im) exposto.
A tônica é sempre a da disciplina e da memorização. Os alunos são incentivados a refazerem suas práticas em favor de uma rotina completamente voltada para a apreensão daquilo que é necessário para ser aprovado em uma seleção para ocupar um cargo no Estado. Porém, a reflexão, quase que via de regra, é deixada de lado. "Só estude o que interessa", diz o autor de um livro da área. A ideia de formação se resume, neste sentido, a um programa de um edital. Como me disse certa vez um amigo: "para ser juiz não preciso saber aonde fica o Chile".

A capacidade de estabelecer uma relação crítica com o assunto é quase que completamente apagada. O código da lei do servidor, sempre presente no conteúdo das seleções, é lido sem a menor pretensão de questionar qual o tipo de relação trabalhista que ele expressa. Reter as informações "relevantes", com todo o viés do que implica algo relevante neste contexto, é o que importa.
Passar em um concurso público significa, praticamente, ir para o céu. "Nunca desista" é o conselho dado por todos os autores da área, como se a pessoa, ao direcionar sua vida para os concursos, entrasse em um processo de peregrinação religiosa. Aprovação implica superioridade moral. Expressão da perseverança. Mudar o foco profissional demonstra fraqueza da alma, uma incapacidade de atravessar o purgatório. Uma pessoa de pouca fé.
Além de movimentar um mercado que duplica de tamanho a cada ano, a literatura de auto-ajuda para concurso gera um indivíduo incapaz de criticar. Só as conexões das questões dos exames importam. As chamadas pegadinhas são os perigos para a "alma pura". A ideia é criar um indivíduo burocrático preso a uma lógica que é ditada pelas organizadoras de concursos públicos – nada de namoros empolgantes, de amizades profundas e do ócio produtivo. Como um evangélico recém-convertido, tudo que não diz respeito aos concursos pode tirar o concursando do justo caminho e levá-lo ao inferno que a não aprovação representa.
O conhecimento sem substância só privilegia às bordas, indivíduos atomizados carregados pelo desejo de atingir altos salários e cômodas jornadas de trabalho. Não a toa os livros de auto ajuda da área pintam o paraíso como o indivíduo saindo cedo do trabalho, carregado de símbolos da bonança financeira (geralmente um bom carro) e indo para a praia surfar diante de um belo sol de início de tarde.
É este modelo de homem que irá mudar a sociedade? Movimentar as atividades de estado? Servir ao público? O sonho de ingressar em uma carreira de estado, pelo modo como é alimentado pela indústria cultural concurseira, destrói as possibilidades de construir uma sociedade diferente. É o projeto político de um homem egoísta, que não entende (e não quer compreender) o papel que irá desempenhar na sociedade. Desafio para ele? Só o de se superar e passar numa seleção ainda mais difícil.