
Vocês se lembram do tempo da margarina? Já faz algumas décadas, mas, coincidindo com safras recordes de uma de suas matérias-primas principais, o milho, apareceram, principalmente nos Estados Unidos, onde os excedentes do milho eram colossais, centenas (ou milhares) de estudos mostrando como a margarina era muitíssimo preferível à execrável manteiga, razão por que devíamos consumi-la aos potes. Agora, não é mais assim, a margarina é cheia de aditivos químicos (aliás, é outra coisa interessante, esse negócio de químico, pois, afinal, toda matéria é química de uma forma ou de outra — água é a composição química de dois átomos de hidrogênio com um de oxigênio) e, segundo diversos, bem mais letal do que a manteiga.
E carne, meu Deus do céu? É caso de se embuçar, para ir a uma churrascaria. Outro dia, à beira do pranto, meu amigo Carlinhos Judeu apareceu no boteco com a nova dieta que seu médico lhe havia prescrito. Após cuidadoso escrutínio, todos os da mesa concluíram que a única alimentação permitida a Carlinhos, sete dias por semana, 30 dias por mês, era peito de frango com certas verduras. Quem come carne vermelha é expulso de certas mesas, como se fosse um canibal. Há quem não coma mamíferos. Deve ser porque o mamífero mamou e ficou contaminado com o maldito leite. Não se pode comer mamífero nem no Ártico, onde Brigitte Bardot recomendou aos esquimós um regime vegetariano, sendo recebida com certa perplexidade, porque indubitavelmente é bastante difícil plantar alface e repolho no Pólo Norte.
E o tempo da macrobiótica, lembram vocês? As pessoas iam a estabelecimentos de aparência lúgubre, ao som de cítaras sinistras, onde sentavam em almofadas sebosas e mastigavam 30 vezes cada bocado das estranhíssimas iguarias que eram servidas (inclusive uma certa “água descansada” que uma vez me serviram na Bahia, e morro de preocupação porque hoje em dia só bebo água cansada), para depois todo mundo sair macilento e contrito, na convicção de que em breve alcançaria o Nirvana por via da tortura alimentar. Na ocasião, fui muito atacado por sustentar que, ao praticar a macrobiótica, o sujeito ficava com a aparência de 70 anos, mas disso não passava. Suponho que ainda devem haver praticantes soltos por aí, embora seguramente evitem passar pela porta do São João Batista à noite, a fim de não serem abatidos a estocadas de madeira no coração.
Resta o delicado aspecto da malhação, sobre o qual há mais teses do que sobre o marxismo antigamente. Deve-se malhar, é a unanimidade, assim como acabar o capitalismo era unanimidade dos marxistas. Mas, como em relação à ideologia, aí cessa a harmonia, porque os teóricos divergem em cada minúsculo pormenor da malhação.
Às vezes vejo amigos e amigas minhas — eis que todo dia há uma matéria sobre malhação nos jornais de tevê — contando as horas diárias a que se entregam às mais exóticas contorções e a aparelhos que seriam rejeitados por Torquemada como excessivamente cruéis. Quem hoje não malha é um marginal. E nos tentam vender, em ofertas mirabolantes pela tevê, uma tal quantidade de tralhas que nos transformarão em seres eternamente sadios, sem estresse e sem problemas, que, se comprássemos tudo, íamos ter de morar num galpão do cais do porto.
É a qualidade de vida, me explicam. É óbvio que não se deixa de morrer, mas se vive mais e com muito melhor qualidade de vida. Qualidade de vida como, cara-pálida? Comendo palha, sem beber, sem fumar, sem comer doce, sem perder noite, aplicando cremes e loções várias vezes ao dia, sem isso, sem aquilo (e aquiloutro também, de acordo com um médico que apareceu uma vez na Bahia, afirmando que o homem é programado para ter quatro ou cinco orgasmos em toda a vida, pois mais do que isso dá câncer na próstata e debilidade mental), dedicando enorme parte da existência a escovar os dentes e o resto a preocupar-se com eventuais transgressões.
Que me perdoem a insensibilidade, mas dispenso essa qualidade de vida e prefiro morrer doente mesmo a esticar as canelas em perfeita saúde.